Bruxaria

A História da Bruxaria

Eu costumo dizer que a bruxaria é uma grande árvore e que os galhos desta árvore são as diversas formas que ela pode ser entendida. Estamos tratando de uma tradição oral, não existe um livro sagrado que define o que é ou não a Bruxaria. Neste sentido precisamos olhar para história e perceber como este fenômeno se manifestou. Outro ponto a ser considerado é que mesmo se eu quisesse, seria impossível escrever em apenas um texto todos os aspectos, momentos históricos e diferenças de como a bruxaria foi vista através dos tempos, então buscarei ser o mais claro possível abrangendo o meu conhecimento acerca do tema.

De acordo com o historiador Jeffrey B Russel, autor do livro “A História da Bruxaria”, existem 3 abordagens principais sobre o que é a Bruxaria:

  • A primeira é a antropológica, que define o termo como sinônimo de feitiçaria;
  • A segunda é histórica, que através de documentos escritos analisam os julgamentos de bruxaria durante a inquisição e que a liga ao culto ao diabo;
  • A terceira é a bruxaria moderna, que defende o termo como uma religião pagã.

Além destas 3 abordagens eu também considero extremamente importante analisarmos como eram retratadas as bruxas antigas, aquelas dos mitos e histórias antes da era comum. Nesta abordagem eu focarei em 3 Bruxas/Feiticeiras muito conhecidas: Circe e Medéia da cultura grega e Ericto como personagem da cultura romana, retratada na Obra Farsália (61 DC) do poeta Lucano. Meu foco neste texto vai abordar esses pontos de vista, assim como elucidar um pouco sobre o surgimento do movimento da Bruxaria Natural, vertente da qual eu defino minhas práticas. Gostaria de deixar claro que existem outras vertentes de Bruxaria como a Bruxaria Tradicional, Bruxaria Ancestral e outras. Meu texto não abordará essas vertentes, uma vez que eu não tenho familiaridade e conhecimento sobre elas, mas saiba de antemão que elas existem e se for do seu interesse recomendo que procure um algum representante destas vertentes para sanar suas dúvidas.

A Bruxaria como Sinônimo de Feitiçaria

Do ponto de vista antropológico a Bruxaria pode ser compreendida como sinônimo de magia, feitiçaria, curandeirismo e xamanismo. Ou seja, é considerado como Bruxaria práticas de feitiçaria popular presentes ao redor do mundo, por exemplo, utilizar a arruda para afastar o mau olhado, queimar casca de alho para afastar maus espíritos ou dar 9 nós em uma corda vermelha conjurando forças superiores para atrair proteção. Ainda sob essa visão, práticas ritualísticas, de cura, adoração e contato com o oculto de povos originários ao redor do mundo também podem ser considerados Bruxaria.

Nos dias de hoje percebo que este olhar antropológico é bem aceito por muitos praticantes pois compreende a Bruxaria como um fenômeno que abrange diversas culturas. Indo por este caminho compreendemos porque muitos enxergam a figura da bruxa nas benzedeiras, rezadeiras ou nas pessoas que possuem o conhecimento das ervas.  Vale salientar que por mais que você enxergue isso como bruxaria, dificilmente a benzedeira da sua cidade vá se denominar Bruxa, sendo que essas práticas quando realizadas no Brasil muitas vezes foram aprendidas numa conotação ou criação com base no cristianismo. E eu nem preciso te falar como a igreja pintou e moldou a figura da bruxa durante a inquisição, sendo que o reflexo de tais pensamentos podem ser observados de forma intensa até os dias de hoje.

A Visão Histórica da Inquisição

Este ponto de vista é baseado nos documentos que analisa os julgamentos de bruxaria durante a inquisição e que a liga ao culto ao diabo. Para compreendermos melhor sobre isso teremos que voltar algum tempo na história, principalmente no que diz respeito a estruturação do Cristianismo. Primeiro ponto, o cristianismo surgiu na Palestina que estava sob domínio do império romano desde 64 a.c, suas bases estão na Tradição Judaica e na crença da vinda de um messias, aquele que traria redenção para quem acreditasse em suas palavras. Jesus teria nascido naquele que ficou conhecido como ano I da Era Comum e sua morte ocorreu em 33 e.c. O cristianismo foi altamente perseguido por Roma, até que em 384 e.c se tornou a religião oficial do Império Romano.  Um ponto importante a ser destacado é que o Cristianismo possui diversas ramificações e sua história não é homogênea como imaginamos, existem muitas subdivisões e marcos importantes que vão diferenciar as igrejas Católica, Ortodoxa, Protestante, Anglicana e Pentecostal. Nosso intuito com este texto não é tratar sobre a história do cristianismo, mas é válido ressaltar esses aspectos sobre ele.

Emblema da Inquisição (1571). A cruz simboliza o “caráter espiritual” da Inquisição; o ramo de oliveira simboliza a graça e a espada o castigo. A inscrição em latim significa: “Levanta-te, Senhor, e julga a tua causa”

Tratando sobre o período conhecido como Inquisição, em 1231, o papa Gregório IX instituiu o chamado “Inquisitio haereticae pravitatis”, que ficaria conhecido como Tribunal da Santa Inquisição, ao contrário do que é difundido por aí, inicialmente o Tribunal não tinha o intuito de perseguir as bruxas e os pagãos. Neste período o foco era a perseguição dos hereges, não havia interesse na feitiçaria, muito menos se ela era do “bem ou do mal”.  Os hereges eram aqueles que pregavam as heresias, heresia pode ser compreendida como a doutrina que vai contra a fé da igreja. Neste período os principais hereges eram grupos religiosos que formulavam interpretações que a igreja considerava distorcidas da doutrina e tradição católica, como um dos principais grupos perseguidos temos o Catarismo.

Estela moderna em memória dos cerca de 200 cátaros mortos na fogueira em Montsegur em 1244. A inscrição: “Als catars, als martirs del pur amor crestian – 16 de março de 1244” (“Aos cátaros, aos mártires do puro amor cristão”).

Cerca de 200 anos depois, no século XV, numa reunião conhecida como Concílio da Basileia, estabelecida entre 1431 e 1437, houve a padronização do estereótipo da Bruxa Satânica, estereótipo este que permeia o imaginário popular até os dias de hoje.  Esta definição mudou totalmente os rumos da época, essa representação da bruxa diabólica começa a se espelhar e causar temor.  Em 1484, foi proclamada pelo Papa Inocêncio VIII a Bula contra as Bruxas e em 1486 temos a publicação do Malleus Maleficarum, livro que era considerado um manual de reconhecimento e caça às Bruxas e Bruxos. A partir daí começou-se um período de perseguição a aqueles que tinham crenças e práticas associadas aos deuses pagãos, tais deuses foram demonizados e considerados inferiores, e alguns até transformados em Santos para que a população pudesse aceitar melhor as crenças da igreja. Mulheres, idosas, curandeiras, estrangeiros, homossexuais e até mesmo cristãos foram torturados e mortos sendo acusados de associação com o Diabo.

Akelarre/Asuntos de Brujas, GOYA Y LUCIENTES, 1798

Aqui percebe-se que a Bruxaria se tornou uma das piores heresias, de acordo com relatos as bruxas se reuniam nuas em orgias celebrando junto a satã e ofendendo a cristo e a igreja. Este foi um período extremamente delicado, a Europa estava assolada pela fome, doenças e os impostos cada vez mais altos. Percebe-se aqui a projeção e autoria desses fatos as bruxas. Foi neste período também que o termo pagão começou a denotar outro sentido, ao invés de morador do campo, historicamente a palavra começou a se referir a toda religião/religiosidade não cristã.

As Bruxas Antigas

Se engana aqueles que acham as Bruxas começaram a ser retratadas somente durante a inquisição, na literatura antiga já é possível perceber a presença delas. Neste tópico abordarei 3 figuras muito emblemáticas das culturas grega e romana: Circe, Medeia e Ericto.

Circe

Circe é uma das figuras mais emblemáticas da mitologia grega, é uma das bruxas mais antigas descritas na literatura. Ela é uma Deusa Feiticeira, filha do Deus Hélios (Deus Sol) e em algumas versões filha de Hécate e em outras filhas da ninfa Perseis. Muitas vezes ela é retratada conhecedora das artes da Pharmakeia, essa palavra é usada para definir o uso das ervas para poções e venenos e também uma palavra para bruxa ou feiticeira. Dentre os poderes de Circe temos o conhecimento e uso das ervas, a capacidade de transformar humanos em animais, a revelação do futuro, magia, a habilidade de fazer o dia virar noite, sonhos, encantamentos, amor físico e associada a Lua Nova. De acordo com o mito ela tentou envenenar seu marido, o Rei dos Sámatas e por ter tido o envenenado, foi enviada para viver na Ilha de Ea ou Eana, no litoral da Itália.

Circe Oferece a Taça para Ulisses, pintura a óleo do pintor John William Waterhouse.

Em uma passagem muito famosa da Odisséia podemos conhecer um dos poderes mais famosos de Circe, o de transformar pessoas em animais. Durante uma parada na ilha de Ea, onde Circe morava, Ulisses enviou seus tripulantes para verificarem o terreno local. Durante desembarque, eles acabaram recebidos pelas feras de Circe – que, na verdade, eram homens enfeitiçados – e levados a seu palácio. A princípio, ela mostrou-se uma ótima anfitriã, oferecendo conforto e alimento aos homens. Durante a noite, eles foram transformados em porcos, mas ainda com suas consciências humanas. Ulisses aguardava o retorno de seus homens, mas viu apenas Euríloco voltar ao barco. Apesar do ataque de Circe, ele conseguiu se salvar e contou ao herói sobre os encantamentos da poderosa feiticeira. Além de ter as informações de seu braço direito, Ulisses também contou com a ajuda de Hermes para recuperar seus homens. O deus protetor dos viajantes e mensageiros, forneceu ao herói uma planta que garantia imunidade contra as encantarias da deusa. Dessa maneira, Ulisses conseguiu salvar seus homens e ainda aproveitar a hospitalidade da ilha, já que compartilhou do poder dado por Hermes com todos seus tripulantes.

Erichto

Erichtho ou Ericto é uma poderosa bruxa da Tessália que aparece retratada na épica Pharsalia do poeta romano Lucano. Ericto é uma bruxa com diversas habilidades mágicas, sendo as mais observadas o uso de encantamentos, poções, necromancia, a habilidade de puxar a lua para baixo, transfiguração e a divinação.  Ela é conhecida por sua aparência horrível e seus modos cruéis e não convencionais de agir. Na obra ela é retratada como uma idosa que mora em covas de cemitérios, rodeada por ossos humanos.  A Bruxa é conhecida na trama pela prática da necromancia onde traz respostas a Sextus, ele desejava saber o resultado de uma determinada batalha. Hericto aceita ajudá-lo e para isso precisaria de um cadáver para trazer as respostas contatando a alma do falecido, ao encontrarem o corpo ela começa a proferir encantamentos em honra a Hermes para que guiasse o barco das almas do submundo, apelou também a Hécate e a Proserpina (Persefóne) com intuito de obter o destino de tal guerra.

Erichtho by John Hamilton Mortime

As bruxas antigas e a Figura da Bruxa

Na cultura grega também temos a representação de Medeia, sobrinha de Circe, uma feiticeira que é caracterizada pelo uso de poções, unguentos, a arte do rejuvenescimento e o uso das ervas, folhas e raízes. Neste ponto, todas as bruxas apresentadas aqui possuem em comum a relação com as ervas, é interessante pensarmos em como estes saberes eram importantes no mundo antigo. O uso de ervas era extremamente comum, uma sabedoria que as mulheres carregavam independente da sua classe social. Eram usados menta, hera, cebola, alho, artemisía, beladona e muitas outras ervas que poderiam ser empregadas para o tratamento de doenças ou que facilitassem a qualidade de vida das pessoas. Em contrapartida o uso das ervas também poderia ser empregado para diversos encantamentos, em certo ponto esse conhecimento foi considerado prejudicial aos homens e assim a conotação da feiticeira negativa pode ter sido utilizada para expressar as angústias da época, angústia muitas vezes relacionada as mulheres que não podem ser controladas, logo a representação de nagativa pode ter sido usada para se referir a elas.

“Medéia representava a mulher estrangeira que detinha esta habilidade e o conhecimento de sua função e eficácia. A documentação textual nos indica várias mulheres míticas que detinham o conhecimento e o domínio de ervas e filtros para encantamentos como Helena e Circe. Este saber, que se estendeu por tradição às mulheres, consistia na habilidade em manejar o cozimento das ervas, folhas e raízes para fazer infusões e filtros, que, devido ao seu poder de cura, passaram a ser considerados mágicos. Acreditamos que a ausência de conhecimento específico do funcionamento da natureza feminina fomentou a necessidade do domínio do uso das ervas pelas mulheres, com o objetivo de atender aos seus problemas de saúde. (CANDIDO, 2001, pg. 45)

Medeia

Eu gosto sempre de refletir acerca da figura da bruxa, percebe-se quase que de forma unânime algumas características muito recorrentes nas representações antigas. Onde observamos que o uso de ervas, a conexão com a lua, o contato com espíritos e a previsão do futuro são temas que permeiam esta figura. A bruxa é aquela que vive no limiar entre o nosso mundo e o mundo dos espíritos, ela pode trazer tanto a bênção, quanto a derrota, pode despertar para a prosperidade ou condenar a maldição. É de certa forma repleta de mistério, enigmática, que não poder ser decifrada, o sentimento de inquietude permeia o imaginário popular sobre esta figura. E como observamos acima foi possível perceber como as bruxas não podem ser controladas, e para os padrões da época, onde as mulheres quase não tinham autonomia, mulheres com liberdade e poder podem representar uma ameaça. Assim fica fácil compreender como as mulheres com força e magia representavam tudo aquilo que iria contra as normas patriarcais vigentes. Além disso, a maioria dos escritores eram homens que escreviam para outros homens, fomentando ainda mais essa visão distorcida acerca das bruxas.

Sendo a mulher o Outro universal, a produção literária greco-romana feita por homens e para homens, projetou seus medos e suas inseguranças com relação aos avanços femininos de uma forma estereotipada e caricatural, servindo aos propósitos de difamar e ridicularizar não apenas as mulheres, mas também os homens que se envolvessem com atividades desviantes como a magia. (TOLFO, 2017, p. 11)

“As mulheres não eram consideradas cidadãs gregas, elas apenas serviam ao seu papel natural: ser mãe e dar filhos legítimos ao marido – filhos homens” (SILVA, 2008, p. 25).

Mais tarde, durante o império romano a representação da bruxa má era pautada na figura de velhas, com comportamentos “masculinos”, que ameaçavam a ordem das coisas, realizam atos nefastos em rituais com os mortos e espíritos malignos. Tais atributos foram servir de inspiração para a figura da Bruxa diabólica difundida na Inquisição. O que percebemos é que em ambos os momentos históricos as mulheres careciam de direitos, estando à mercê de uma sociedade patriarcal e machista.

A figura da feiticeira – que frequentemente aparece como vilã – representa essencialmente uma mulher perversa, destoante do ideal anjo da casa. Historicamente falando, muitas mulheres acusadas de bruxaria entre os séculos XV e XIX possuíam uma personalidade considerada conturbada: falavam palavrão, questionavam os outros e defendiam fortemente sua opinião, fosse discutindo com o marido ou com autoridades; enfim, eram mulheres de personalidade forte, que não se sujeitavam ao papel submisso que se esperava delas (KARLSEN, 1998, p. 310)

A Bruxaria Moderna de Gerald Gardner e o Discurso Romântico acerca da Bruxaria

Para compreendermos o renascimento romântico da bruxaria precisamos entender o pensamento pós inquisição, o Tribunal do Santo Ofício foi extinto no dia 31 de março de 1821. Com o passar dos anos muitos consideravam que tais atos foram um delírio coletivo e que acreditar em bruxas algo de pessoas sem “instrução”. E considero importante comentar uma breve linha do tempo para compreendermos os fatos históricos que contribuíram para o nascimento da Bruxaria Moderna.

1888: Fundação da Golden Dawn (Aurora Dourada);
1898: Aleister Crowley se agrega à Golden Dawn;
1899: Publicação de Aradia: O Evangelho das Bruxas, de Charles Godfrey Leland;
1921: Publicação de O Culto das Bruxas na Europa Ocidental, da Dra. Margareth Murray;
1939: Gerald Gardner se inicia na Bruxaria no coven de New Forest;
1951: O Ato de Bruxaria é revogado na Inglaterra e na União Soviética;
1953: Gerald Gardner forma seu coven;
1954: Publicação de A Bruxaria Hoje, de Gerald Gardner.

Irei comentando a história da bruxaria moderna costurando como os eventos desta linha do tempo se relacionam. Gerald Gardner (1884-1964) é conhecido como o precursor da Bruxaria Moderna, ele era funcionário aposentado da coroa britânica e passou parte da sua vida atuando como arqueólogo e folclorista amador. Gardner afirma ter sido iniciado no Coven de New Forest (Sul da Inglaterra) no ano de 1939, de acordo com o bruxo o coven de New Forest era praticante de uma religião pré-cristã, originado do antigo paganismo da Europa Ocidental. Ele afirmava que os integrantes do coven se chamavam de wica, que de acordo com o bruxo significava “pessoa sábia”.  Porém, nunca foram encontradas evidências concretas sobre a existência do Coven de New Forest e caso o mesmo tenha existido é improvável que tenham a prática de uma religião pré-cristã de Bruxaria, uma vez que a história da Bruxaria não é estruturada através de uma linha do tempo contínua.

A própria palavra “wica”, utilizada por Gardner, nunca existiu. A grafia correta – “wicca” – que ele passa a adotar a partir do segundo livro e cuja pronúncia correta é “witcha”, é simplesmente o termo em inglês arcaico para bruxo (bruxa seria wicce). Este termo não possui nenhuma correlação linguística com “sábio” (wise), mas a afirmação de Gardner forçou não apenas a pronúncia “dura” (wika) da palavra entre seus futuros adeptos, como também a corriqueira interpretação do seu significado (Duarte, 2017, p. 281)

Gerald Gardner

Em 1951, as leis que proibiam a feitiçaria e bruxaria na Inglaterra foram revogadas e logo depois, em 1954, Gardner publicou seu livro “Bruxaria Hoje”. Depois da sua suposta iniciação Gardner foi responsável por divulgar e promover a Wicca, publicou 3 livros, iniciou pessoas e também administrou um museu de bruxaria. Ele é conhecido como o pai da Wicca e foi o responsável por começar a tratar da Bruxaria de forma pública depois de anos de perseguição que a mesma havia sofrido durante a inquisição, se hoje podemos praticar bruxaria de forma mais livre foi graças aos esforços de Gardner, neste sentido é inegável o legado dele, legado este que influenciou muito os rumos que a bruxaria moderna viria a ter anos depois. Outro ponto é que se percebe na obra de Gardner influências da Golden Dawn, da obra de Leland e também de Margaret Murray. E é aqui que eu gostaria da sua atenção sobre os dois últimos autores.

Margaret Murray

Margareth Murray (1863 – 1963)

Margaret Murray (1863-1963) era uma arqueóloga, egiptóloga, escritora e folclorista. Ela foi a responsável pela escrita do livro “O culto as Bruxas da Europa Ocidental”, em sua tese ela defende que a bruxaria tinha as suas origens no paleolítico e que seria uma religião organizada de modo estruturado em toda a Europa Ocidental. Porém as teorias de Murray são refutadas até os dias de hoje, percebemos um grande equívoco quando a autora defende que essa religião seria organizada. Porém seu trabalho não deixa de ser importante, uma vez que certas práticas e crenças pagãs sobreviveram da antiguidade, principalmente nos ambientes familiares e rurais. De qualquer forma é impossível afirmar que tais práticas são originadas do paleolítico e muito menos que estão associadas uma estrutura religiosa organizada.

[…] abaixo da religião cristã havia um culto praticado por muitas classes da comunidade, principalmente pelos mais ignorantes ou aqueles das partes menos populosas do país, que pode ser considerado uma antiga religião da Europa Ocidental na época pré-cristã. O deus, antropomórfico ou teriomórfico, era venerado em ritos bem definidos; a organização era altamente desenvolvida e o ritual análogo, comparado aos muitos outros velhos rituais (MURRAY, 2003, p. 17).

Charles Leland

Charles Godffrey Leland (1824 – 1903)

Charles Godffrey Leland (1824 – 1903) foi jornalista e folclorista, autor do famoso livro “Aradia – O Evangelho das Bruxas”, na qual retrata que a bruxaria é uma “antiga religião”, o autor ficou conhecido por ser o primeiro a retratar a bruxaria com este nome. Além disso, o livro pauta na figura de Aradia, uma enviada de Diana que tem a missão de ensinar a bruxaria para seus adeptos, o livro também traz a figura de Diana e seu irmão Lucifer, além de trazer uma ótica da bruxaria como uma anti-religião que de certa forma busca “combater” as tiranias da igreja. São também apresentados alguns rituais, feitiços e encantamentos.  Como base de referencial Leland afirma que os conteúdos e informações do livro são de uma informante, bruxa, que ele chama de Maddalena, nunca foi provado a existência da mesma, todavia seu livro inspira muitos praticantes de bruxaria nos dias de hoje.

Depois de tratarmos sobre essas figuras é importante observamos as influências de Murray e Leland na obra de Gardner, e desta forma é possível notar que, historicamente, a Wicca não é antiga religião das Bruxas. Mas isso não a diminui ou invalida! Em minha opinião é aí que está a beleza de tudo. É magnifico como a Wicca foi capaz de mudar o estereótipo da bruxa, além de conseguir olhar para o passado e unir símbolos, mitos e representações que, antes nunca foram assimiladas de forma litúrgica e assim criar uma religião que desperta insights e processos profundos de contato com o sagrado.

A figura da Deusa e o Reflexo do Feminismo
na Wicca

Vale lembrar que a Wicca Gardneriana traz a figura da Deusa e do Deus, assim como o conceito das polaridades – Yin e Yang, masculino e feminino. A wicca como uma religião que traz e exalta a figura de uma deusa foi muito bem recebida nos EUA, se expandiu muito graças ao movimento de contracultura, que teve seu auge nos anos 60. Além de ser considerada uma das religiões impulsionadas pelo movimento da nova era dos anos 70, movimento este que aguardava uma “nova era” de amor, luz, transformação e cura interior.

7 anos após a morte Gardner, temos a figura de Zsuzsanna Budapest, imigrante húngara nascida em família Wiccana e residente nos Estados Unidos. Nos anos 70 ela já era envolvida com os movimentos de libertação feminina de Los Angeles e durante este período ela começou o Movimento da Espiritualidade das Mulheres. Em 1971 ela formou seu 1º coven que mesclava elementos da Wicca Gardneriana aliada as causas e os interesses feministas, seu grupo inspirou a criação de muitos outros grupos nos EUA, que tinham a Deusa como figura principal de culto. Zsuzsanna é conhecida como a mãe da Wicca Diânica e já conduziu inúmeras paletras, rituais, celebrações, aulas e oficinas. Além de publicar alguns livros e artigos sobre a Deusa.

Zsuzsanna Budapest

A partir dos anos 70 inúmeras tradições de wicca foram surgindo e cada vez mais a Bruxaria Moderna encontrou aceitação por parte do público, principalmente no que diz respeito a figura da Deusa, uma grande mãe, que encontrou na contemporaneidade inúmeras pessoas que buscavam um novo sagrado.

O Movimento da Bruxaria Natural

Para alguns o termo Bruxaria Natural não faz sentido, eles alegam que todas as Bruxarias são naturais e que este é um termo equivocado. Eu discordo! Percebo que o movimento que começou a inspirar essa forma de ver a Bruxaria começou a partir dos anos 90. E aqui eu quero citar um autor, que na minha opinião foi fundamental para este movimento. O autor Scott Cunningham (1956 – 1993) foi de extrema importância para a compreensão da Bruxaria de uma outra forma, em um cenário onde para aprender bruxaria era necessário fazer parte de um coven e se dedicar aos parâmetros e regras do mesmo.

Scott Cunningham (1956 – 1993)
Earth, Air, Fire & Water – More Techniques of natural magic.

Scott foi um dos expoentes no que diz a prática de bruxaria de forma solitária, mais livre e autônoma, tanto que escreveu o livro Bruxaria Solitária que serve de referência para inúmeras pessoas. Vale lembrar que ele era Wiccano e que, de acordo minhas pesquisas, nunca cunhou o termo “Bruxaria Natural”, mas suas obras já mostram a liberdade, filosofia e elementos que seriam utilizados na Bruxaria Natural. Neste cenário destaco uma das principais obras do autor lançada em 1991, (No Brasil o Livro foi traduzido para “Técnicas de Magia Natural – O Poder da Terra”), na obra o autor utiliza inúmeras vezes o termo “Magia natural”, termo este que as bruxas naturais do século XXI utilizam de forma expressiva. Neste contexto, de acordo com o autor “… os caminhos da magia são revelados para aqueles que trabalham com as forças da natureza. Os segredos estão escritos em rios e riachos sinuosos e nuvens que vagam pelo céu; são sussurrados pelo bramido do oceano e da brisa fresca; ecoam em cavernas, rochas e florestas… É arte de trabalhar com as forças da natureza para provocar mudanças necessárias. Isso é magia, pura e simples.”

Em toda obra o autor enfatiza que o maior poder se encontra na natureza e nos 4 elementos, ele ensina inúmeros rituais e feitiços que tem como objetivo auxiliar o praticante a se conectar com as forças naturais. Mesmo depois do seu falecimento em 1993, sua obra continua inspirando praticantes ao redor do globo.

No Brasil a Bruxaria Natural ficou conhecida através da escritora Tania Gori. A autora ficou conhecida por defender a Bruxaria Natural como uma Filosofia de Vida, de contato e equilíbrio com a natureza, que preza pelo amor e respeito. Em seu livro “Bruxaria Natural – Uma Filosofia de Vida” a autora cita:

Estudaremos a Bruxaria como uma filosofia de vida, como uma arte que nos expomos de cara limpa, sem medo e sem preconceito, o nosso amor pela mãe natureza, despertando o amor em nós e aprendendo a respeitar as pessoas, a vontade da natureza e, acima de tudo, a nós mesmos. (GORI, 2012, pg. 13)

Outro ponto importante de diferenciação da Bruxaria Natural para outras tradições é que a mesma não possui uma estrutura rígida de hierarquia e nem mestres, sendo que as maiores experiências e aprendizados da Bruxa seriam aprendidas através do contato e ligação com as energias da natureza.

Obviamente isso não impede que a Bruxa aprenda ou seja iniciada por alguém, uma vez que essa escolha é de cunho pessoal e individual. Observe suas necessidades e reflita se você deseja que alguém te guie neste caminho mágico ou se você possui responsabilidade, força de vontade para se guiar de forma solitária. Esta resposta eu deixo para você!

No livro encontra-se uma mescla de conhecimentos, onde a diversidade de ensinamentos das mais diversas vertentes e culturas, desde as leis herméticas, magia dos 4 elementos, lunações maias, influências planetárias e outros elementos de magia natural. Além disso a autora cita que quem decide trilhar o caminho da Bruxaria Natural não precisa abandonar suas crenças.

Outro ponto é que não existe a necessidade de se cultuar divindades, a não ser que esta seja uma vontade do adepto. Desta forma o que eu observo é que tais liberdades de escolha e o fato de não se obter uma estrutura rígida atraem e despertam a atenção de muitas pessoas que buscam a bruxaria como uma filosofia de vida que fomenta a reconexão com o mundo natural, para quem não sabe filosofia de vida é a expressão usada para descrever um conjunto de ideias ou atitudes que fazem parte e norteiam a vida do indivíduo. Ou seja, a bruxa natural é livre para escolher as práticas que irá fazer, os deuses que vai cultuar (isso se ela tiver vontade de cultuá-los) e a como ela organiza seu calendário e rituais. Conheci bruxas naturais que inclusive tem parte de sua fé em santos e isso não é problema, pois o sagrado da bruxa é pessoal e só ela sabe sobre suas crenças. O importante é que cada um tenha sabedoria do caminho que irá trilhar, reconhecendo a responsabilidade e bênçãos do mesmo.

Com amor e encanto eu me despeço.

Por: Eduardo Sirena.

Se for reproduzir parte deste texto coloque os devidos créditos ou surpresas mágicas lhe aguardam.

Referências Bibliográficas

CANDIDO, M. R. A Feitiçaria na Atenas clássica. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2004

CIVITA, R. et. ali., (Dir.) Mistérios Desconhecidos: Bruxas e Bruxarias. Rio de Janeiro: Abril Livros Ltda., 1997.

Duarte, Janluis. Quem eram as bruxas de Gardner. 2017

GORI, Tania. Bruxaria Natural – Uma Filosofia de Vida. 2012

Murray, Margaret. The Witch-Cult in Western Europe. 1921

SILVA, Semíramis Corsi. A imagem da mulher feiticeira como expressão da diferença
de gênero em Roma: os poemas de Horácio e Ovídio. Klepsidra: Revista virtual de
história, vol 27, n 1, 2007.

TOLFO, Sara, Representação de praticantes de magia na literatura romana e grega. 2017

KARLSEN, Carol. The Devil in the Shape of a Woman: Witchcraft in Colonial New England. New York: Norton, 1998.

(4) Comentários

  1. Lidiane Teixeira diz:

    Amei tudo que acabei de ler aqui. Sou iniciante na bruxaria e a cada dia me encanto mais com cada coisa que leio,vejo e ouço sobre tudo que é relacionado a bruxas.
    Agradeço imensamente o meu querido professor Eduardo Sirena por hoje ser uma apaixonada pela bruxaria . Foi atravéz dele que começou a minha tragédia e paixão pela bruxaria.
    Gratidão 🙏 professor Eduardo Sirena por todos os seus encinamentos até aqui . E pretendo ir e com certeza com as suas aulas e encinamentos maravilhosos vou ainda mais longe com vc como um grande mestre que tenho e respeito a cima de tudo.
    Muito obrigada professor Eduardo Sirena tudo que sou hoje e como minha vida era e é hoje depois de conhecer vc através das suas aulas.
    Beijos e obrigada sempre meu mestre querido 🙏❤️💋

    1. Que bom que gostou. Que os deuses te abençoem sempre. <3

  2. Cristiane de Simas diz:

    Amei!!!!
    Obrigado por compartilhar.

    1. Que bom que gostou. Que os deuses te abençoem sempre. <3

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